segunda-feira, novembro 29, 2004

Segunda-feira

Querido Luís,

A professora de Português está bastante atrasada. Consciente de que ela ainda virá, pelo simples facto de não nos ter sido comunicado nada em contrário, toda a turma se mantém perto da sala de aula. Tu ainda não chegaste. Entretenho-me à conversa com o Renato e o Tiago e finjo que não te vejo passar o portão da escola, até te misturares connosco. De qualquer maneira, espero até entrarmos na sala para te cumprimentar. Fernando Pessoa ortónimo é o escritor que estamos a abordar. É distribuída uma ficha para resolvermos. Apenas um exercício para treinarmos a interpretação de um poema. Pouco depois, ouço-te discutir uma pergunta em surdina com a Mariana. A professora também e fica furiosa! Ordena-te que páres de brincar e passa logo um sermão a toda a gente, demonstrando o seu desagrado pelo desinteresse que revelamos pela disciplina, o que, segundo ela, já se reflectiu nos testes sobre Cesário Verde. Considero espantosa a tua reacção: ficas em silêncio, muito calmo, muito quieto e nem sequer tentas defender-te.

Já no intervalo, tenho oportunidade de falar contigo sobre o sucedido e tu não te mostras minimamente indignado, mas apenas apreensivo em relação à nota do teste, que ainda não recebemos. Estamos no mesmo barco! Também eu pensei que me tinha corrido bem essa avaliação e agora fico na expectativa. Vou agora ter com a Rosinha para a pôr ao corrente da situação e para saber se está tudo bem com ela. A Rosinha não é apenas a secretária da escola. É uma amiga e, por vezes, até uma confidente. Sigo para a sala da internet, onde sei que te vou encontrar. E lá estás tu, de pé, esperando a tua vez para utilizar um computador. Verifico que hoje estás especialmente elegante, com um casaco castanho que realça a tua postura firme e desinibida. Lá conseguimos um computador para cada um. Espreito o meu correio electrónico e encontro uma mensagem do Anthony, um inglês que conheci numa competição de trampolins, em que participei como voluntária. Não tenho tempo para lhe responder, por isso, passo à frente. No meio de algum "lixo", encontro um mail que me faz rir às gargalhadas! Alguns colegas juntam-se à minha volta e cria-se ali um ambiente descontraído. Olho para o relógio e lembro-me que ainda tenho que levantar dinheiro antes de apanhar o autocarro.

Ainda me vou despedir da Rosinha e buscar as minhas coisas ao cacifo. Quando estou a chegar ao portão, vejo-te a sair da escola e corro para te apanhar. Pedes-me para te dizer que vou na mesma direcção que tu e vou mesmo... mas só até ao multibanco mais próximo, que fica a cerca de 15 metros! Essa curta distância ainda nos permite trocar umas piadas e uns sorrisos. No multibanco, imploro calada à pessoa que está à minha frente para se fazer demorar, enquanto observo os teus movimentos ao atravessar a rua, até desapareceres por trás de um edifício qualquer, que não devia estar lá.