quarta-feira, dezembro 22, 2004

Não me quero despedir de ti

Querido Luís,

Obrigada pela ajuda que me deste com as compras de Natal. Obrigada pelo lindo porta-chaves que me ofereceste. Obrigada por mais um dia em que pude contar com a tua companhia.

Sentamo-nos ao pé da paragem onde eu tenho que esperar pelo autocarro. Está frio, muito frio. Quero agarrar-te uma das mãos, mas procuro desviar o meu pensamento dessa vontade. O céu está com uma cor linda. O sol já desapareceu quase completamente e as ruas já estão todas iluminadas. As silhuetas das árvores transformam-se num espectáculo único. Não partilho todas estas sensações contigo, a minha única intenção é esquecer-me de que daqui a nada tenho que te dizer adeus.

O autocarro pára e eu fico no fim da fila para entrar, que não é muito longa. Dois beijos no rosto, um bom Natal e até para a semana. Sinto-me como se tivesse prestes a viajar para muito longe, sinto-me como se nunca mais te fosse voltar a ver e, no entanto, sei que daqui a quatro dias vou estar contigo outra vez. Não percebo o porquê desta angústia. Ao menos, sei que, vá para onde for, uma parte de ti viaja sempre no meu coração que agora está tão apertadinho dentro do meu peito.

Fecho os olhos durante quase todo o caminho até casa e desenho-te ao meu lado. Nunca fujas de dentro de mim...

Calada

Querido Luís,

Não tens que ficar comigo no bar só porque não me apetece ir com toda a gente para o salão de jogos. Mas ficas. E isso aquece-me o espírito. A conversa vai durando, mas o assunto esgota-se e implanta-se entre nós um silêncio, apenas evitado pela música que continua a sair pela coluna situada quase por cima das nossas cabeças.

Gostaria de poder dizer-te que acordei ansiosa por te ver, gostaria de poder contar-te o deslumbramento que se apoderou de mim quando os nossos olhares se encontraram pela primeira vez neste dia que já vai longo. Gostaria de poder falar-te do meu entusiasmo por termos ido almoçar juntos, por termos passado uma boa parte da tarde juntos e por te teres deixado ficar aqui só comigo, em vez de teres ido com os outros. Gostaria de poder confessar-te que mais ninguém me faz sentir assim, que cada sorriso teu se torna a imagem mais gratificante do meu dia, que muitas vezes me apetece roubar-te um beijo e prender-te num abraço apertado.

Fico calada, como se a música de fundo estivesse a agradar algum de nós. Fico calada, por qualquer razão para a qual não há uma palavra certa. Não fico bem, nem fico mal. Fico apenas assim. Calada.

segunda-feira, dezembro 20, 2004

No comboio

Querido Luís,

Estamos quase em casa. Ao mesmo tempo que vejo mexer a boca do senhor que se sentou à nossa beira no comboio, recordo a tarde que passamos juntos. Tinha pensado ir ver o concerto só contigo, mas apareceu na estação o Helder do 11º ano, que por coincidência tinha os mesmos planos que nós. Confesso que fiquei um pouco desiludida por perder a oportunidade de passar tanto tempo - que, no fundo, me parece tão pouco - sozinha contigo. Mas o Helder é muito boa pessoa e nunca está a mais!

O concerto começou com um atraso significativo, porque o maestro pensou que estava marcado para a noite! Valeu a pena esperar e perder o comboio no qual tínhamos planeado voltar, porque foi um óptimo espectáculo.

Apercebo-me de que o senhor parou de falar e espero que não seja suposto eu responder, embora tenha ideia do assunto pouco interessante que abordávamos. Aliás, que ele abordava sozinho! Volta e meia, ele lá se mete na nossa conversa, mas eu vou tentando rodar a cabeça para a esquerda, onde estás tu e o Helder, a ver se o homem se apercebe que está a meter o nariz onde não é chamado.

De repente, o Helder lembra-se que não tirou bilhete! Levanta-se para ir resolver o problema com o revisor e eu aproveito para me chegar um lugar para a esquerda, de forma a ficar mesmo em frente a ti. Lá foi resolvido da melhor forma a questão do bilhete e a viagem continua. Uma miúda pequena começa a puxar-nos para a brincadeira. É mesmo daquele tipo de crianças que quase não suporto! Desobediente, insistente, até um pouco mal-educada. A dada altura, passo a ignorar. Não faz diferença, temos que sair na próxima estação.

Sei que vou para casa com uma convicção que já tinha: és uma companhia formidável para tudo!

sábado, dezembro 18, 2004

A audição

Querido Luís,

Tu não tomas horas?!? Eu que não vou tocar consegui chegar primeiro que tu! Sabes que estou só a brincar, mas não há nada como a boa disposição antes de começar uma audição!

O professor de piano faz um aviso para os menos frequentadores deste tipo de eventos, que apela ao silêncio e ao cuidado para não se bater palmas entre andamentos. Um nervoso miudinho apodera-se do meu peito, mas é acalmado pelo simpático Luís - aluno do preparatório - que interpreta uma "Dança dos Índios" e o "Balão do João". A seguir és tu. Conheço de cor o teu gesto ao entrar em palco, ao fazer a vénia da praxe, ao sentar no banco do piano. Soltas então a tua suite de Bach, que só é importunada pelo ranger incomodativo do banco! Mas eu abstraio-me desse ruído inoportuno com bastante facilidade, porque o que me cativa realmente é a música. Outros alunos tocam depois de ti, e alguns deles até muito bem! Para todos os efeitos, quando voltas a fazer soar as cordas do piano, transformo-me sem querer. Chopin, Liszt e Rachmaninov pelas tuas mãos! Não há nada mais encantador! As pessoas faladoras calam-se, as crianças já não deixam cair no chão os brinquedos, tudo pára. Ou talvez não pare realmente, talvez continue a haver gente a falar e brinquedos a cair estrondosamente no chão, mas eu só consigo ver-te e ouvir as peças que interpretas, mais nada. É exactamente como quando não há mais ninguém a assistir, quando tocas só para mim, só para mim...

Ainda me acompanhas ao café, enquanto espero que o meu pai me vá buscar e fazes questão de me pagar um sumo. Eu nunca permitiria, se não me tivesses roubado o talão! Mas agrada-me a intenção.

E se viesses comigo amanhã ver um concerto?... Não é que vais mesmo?! Se a felicidade se revelasse num salto, eu teria ido até à Lua!

sexta-feira, dezembro 17, 2004

No auditório da academia

Querido Luís,

Ao entrar na academia, ouço logo o piano do auditório. Enquanto converso com alguns colegas, presto atenção à música que vem de lá e associo-a imediatamente a ti. Ainda pergunto a quem está comigo no corredor se sabem quem é e faço a minha aposta. Vou até à porta da academia, saio, volto a entrar e decido-me a espreitar sorrateiramente o auditório. Rodo a maçaneta com cautela, para o caso de estar redondamente enganada e ser algum professor ou outro aluno qualquer - que, diga-se de passagem, teria que tocar muito bem. Nesse caso, alego estar só a ver se há por ali alguma estante. Não faço barulho nenhum e, através de uma frinchinha, consigo reconhecer a tua camisola às riscas e a tua postura inconfundível. Não demoras nada a dar pela minha presença e eu questiono-te sem esperar resposta: "Como é que eu sabia que eras tu?!"

Não te mostras incomodado pela minha invasão. Mesmo assim, não tardo a virar as costas para te deixar estudar para a audição de amanhã, mas tu interpelas-me com um convite para ir ao cinema dentro de uma hora. Quem me dera poder ir! Mas vou ter aula de violoncelo. A dada altura, aproximo-me do piano e pouso a cabeça em cima dele, apoiada nos meus braços. Dá-se então um instante mágico quando sorris para mim, sem que eu saiba exactamente porquê, e eu dou por preenchido o meu dia. Já de saída, peço-te para tocar qualquer coisa para mim. Primeiro negas, mas acabas por me ceder uma Sarabande de uma Suite de Bach, sem que eu tenha que insistir.

Agora, sim, vou-me embora e deixo-te a estudar. Falamos mais tarde ou amanhã depois da audição.

quarta-feira, dezembro 15, 2004

És super!

Querido Luís,

Se a professora de inglês não fosse tão branda, estavas perdido! Quinze minutos de atraso, para quem vai a pé para a escola, não são facilmente justificáveis. Quando chegas, continuo a fingir interesse pelo relatório médico detalhado da saúde da professora, nem me mexo. Já conheço perfeitamente o som do teu bater na porta e dos teus passos, portanto, não restam dúvidas de que és mesmo tu. Aparece à minha frente um reflexo imaginário dos teus movimentos quando te sentas e quando pousas os livros na mesa. Viro-me finalmente para trás e só então começa o meu dia.

Apetece-me abraçar-te, tocar-se, sentir-te. Tenho essa vontade cada vez que te aproximas, cada vez que me falas. E controlo a pontinha de ciúme que me invade quando alguém interrompe as nossas conversas de corredor.

Convidas-me para assistir à tua audição de piano, no sábado e eu nem dou tempo a mim própria para pensar no que tenho para fazer, mas também não interessa. Nada me dará mais prazer. E, muito embora eu argumente ironicamente que só vou para ouvir os miúdos do preparatório a tocar "O balão do João", tenho perfeita noção de como deixo transparecer que só vou por tua causa. Que diferença faz? Não há necessidade de esconder o orgulho e admiração que tenho por ti. Como te disse uma vez em tom de brincadeira: és super!

terça-feira, dezembro 14, 2004

Dia bom

Querido Luís,

Pulo num ápice para fora do autocarro, que está com dez minutos de atraso. Dou uma corrida de olhos fixos na escola, numa tentativa ansiosa de saber se estás perto do portão. E algo dentro de mim desperta num clique: estás mesmo a chegar! Sempre a correr, centro-me apenas em ti e, mesmo de longe, apercebo-me de que, de facto, cortaste o cabelo.

Subo a escadaria, nervosa, mas apesar de tudo, sem cansaço. Ganho ânimo só de pensar que estamos mais próximos a cada escada que piso. A porta da sala está aberta e eu faço uma entrada categórica, cumprimentando o professor sem esperar resposta e desviando logo todos os meus sentidos para ti, só para ti. Estás... luminoso! Que maravilha ter-te perto de mim outra vez! O cabelo fica-te ainda melhor assim! O casaco azul escuro e a t-shirt castanha por baixo ajustam-se ao teu corpo na perfeição. TU és a perfeição e deixas-me radiante só de te ver.

A aula não demora nada, só o tempo de entregar os testes e fazer breves considerações acerca deles. Tive boa nota, mas tu excedeste-te! 19,9! Ao sair comunicas-me também a tua nota de Fisico-Química: 18, tal como eu. Os melhores resultados da turma. O que me provoca mais alegria é relembrar as dúvidas que trocámos para esse teste, é recordar o apoio que me deste, por saberes que eu não tinha muito tempo para estudar para ele, por causa do basquetebol. Isso parece manter uma união invísivel entre nós, como se juntos pudessemos fazer tudo bem. É um pensamento no mínimo aconchegante...

Não desfazendo o hábito, vamos até à sala de internet, onde pomos as novidades em dia. Estou extremamente faladora, eu sei, mas é talvez por ter acordado tão bem-disposta. Porquê? Por nenhuma razão em particular, é a resposta que te dou. Mas gostaria de ter respondido que acordei assim na expectativa de estar contigo, depois de tantos dias longe de ti.

O tempo voa e eu tenho que me ir embora. Amanhã é outro dia! Se for tão bom como este, tanto melhor!

domingo, dezembro 12, 2004

A final do torneio

Querido Luís,

O último jogo do mini-torneio de basquetebol, para o qual me preparei durante toda a semana está prestes a começar. Sim, chegámos à final. Antes de despir o casaco do fato-de-treino, percorro a plateia com os olhos, na esperança de te encontrar, muito embora me tenhas avisado de que não podias vir. Mesmo assim, jogo como se me estivesses a ver e acabamos por ganhar! Fico radiante! Infelizmente, chegou a hora de me despedir das minhas colegas de equipa, porque esta não é uma equipa frequente. Reúne jogadoras escolhidas através de provas e trabalha intensivamente durante um determinado período de tempo antes de um torneio deste género. Para mim é muito bom jogar com elas, sou a mais nova e mais inexperiente, tenho oportunidade de aprender muito! Por isso, durante a viagem de carro para casa, relembro todas as caras, todas as palavras, todos os ensinamentos que ficaram para trás. E alegro-me só de pensar que posso voltar a ser chamada para uma próxima vez.

Ao meter a chave na fechadura da porta de casa, o meu telemóvel emite um bip. Uma mensagem tua a perguntar como correu o torneio. Envio-te então as novidades e tu felicitas-me. Tenho tanta pena que não tenhas ido! Mas sei também que não foste porque não pudeste mesmo.

Tenho saudades tuas. Esta noite sonhei contigo, mas não sei bem o quê. Na sexta-feira passada informaste-me de que ias cortar o cabelo e eu estou curiosa para ver como ficou. Lá na escola toda a gente te recrimina quando cortas o cabelo, como se fosse um atentado à tua imagem. Eu nunca fiquei assim tão chocada, não te fica nada mal. Tu nunca ficas mal, desde que sejas tu próprio...

quarta-feira, dezembro 08, 2004

Posso começar por ti?

Querido Luís,

Que bom rever-te, depois de quase uma semana sem te pôr os olhos em cima! Como já sabes, estou a gostar muito desta semana de treinos intensivos de basquetebol, naquela equipa para a qual fui admitida há uns tempos. Tenho a desvantagem de ter que faltar às aulas e, para além disso, tenho andado muito cansada. Isso não seria muito relevante, não tivessemos nós hoje teste de Fisico-Química. Apesar de tudo, concluo-o em tempo e com alguma facilidade. Tu só o consegues acabar depois da hora do fim da aula, mas quando te pergunto se correu bem, respondes-me afirmativamente.

Em Filosofia o teu lugar é à minha frente. Reparo que o teu cabelo está bastante comprido, não me lembro de o ter visto tão comprido desde que te conheço. Fixo em ti toda a minha concentração, alheio-me ao que o professor diz sobre os testes que fizemos. Relembro as tuas mensagens ao longo dos últimos dias e os sorrisos que me escaparam no autocarro, onde fazia delas a minha única companhia. É muito bom saber que me apoias, saber que vais tentar ir ver os meus jogos no fim-de-semana, mesmo tendo outros compromissos. É bom ser tratada por ti com alguma admiração. E é bom quando olhas para mim para me dizer algo em silêncio. Cheguei a pensar, por vezes, que não gostavas de ficar perto de mim, de partilhar comigo o teu dia-a-dia, mas agora descobri que posso realmente marcar presença na tua vida, sem que isso te incomode.

Estou bem disposta! Extremamente bem disposta! E pretendo contagiar toda a gente com esta alegria que me invade o espírito! Posso começar por ti?

sexta-feira, dezembro 03, 2004

Dói

Querido Luís,

Dói.

Dói ao chegar à escola, por saber que ainda nem saíste de casa, e dói ainda mais porque vens com pressa para fazer qualquer coisa mais importante do que falar comigo. Dói quando olho para o teu rosto reflectido no vidro da janela e percebo que és, para mim, inatingível. Dói porque desapareces no final do dia sem me desejares um bom fim-de-semana.

Dói por saber que não te tenho aqui comigo e dói ao pensar que talvez nunca te virei a ter. Dói por não ser para ti tudo aquilo que tu és para mim.

Dói quando mostras um sorriso perfeito que não foi provocado pela minha presença, nem por algo que eu possa ter dito. Dói quando te ouço tocar piano e não consigo esconder de mim própria o meu encanto. Dói quando a tua voz me faz perder o sentido das palavras que pronuncias. Dói quando nos tocamos acidentalmente e me transmites o calor do teu corpo. Dói quando cheiro o aroma agradável da tua pele. Dói quando imagino como seria feliz contigo.

O que dói, não sei bem. Sei que dói muito...